Quando Jake e Brett estão prestes a se separar em Madri, no final de O Sol Também se Levanta, de Ernest Hemingway, o que fazem? Vão comer leitão assado e beber três garrafas de Rioja no restaurante mais antigo do mundo, El Sobrino de Botín, mais conhecido simplesmente como Botín. No final do século 19, quando a irmã do rei Afonso XII queria dar um tempo, ia até o La Bola Taberna para pedir uma tigela de seu prato preferido – o cocido madrileño. Todos os sábados, Dom Quixote se afundava num prato de duelos y quebrantes – uma mistura de ovos mexidos, presunto, chorizo, miolos e tripas – na Casa Marta.
Cocido, leitão e miúdos. Esta tríade representa a história da culinária de Madri – e, ainda bem, seu presente. O porco e o Rioja no Botín ainda são ótimos, apesar dos turistas e da parte da Lady Brett e Jake. O cocido ainda é o prato mais pedido no La Bola, apesar de a Infanta ter morrido faz tempo. E Antonio Roiloa, proprietário da Casa Marta, ainda serve o prato de sábado de Quixote, apesar de geralmente deixar os miolos de fora. Estes pratos são tão madrilenos quanto o Prado e a Plaza Mayor.
Então, o que o tradicionalismo de Madri significa para a nueva cocina, a nova onda de culinária experimental que atinge o lado de cá da costa catalã? Liderada pela lenda catalã Ferran Adrià, a nueva cocina é conhecida pelo repertório fantástico de espumas comestíveis, geléias quentes, combinações improváveis de sabores e novidades em textura e temperatura. A revolução surrealista da culinária como a conhecemos consegue fazer algum sentido numa cidade onde os cozidos ainda reinam?
Paco Roncero, madrileno e um dos chefs mais importantes da Espanha, acha que sim. Roncero, que está por trás do La Terraza del Casino, cotado no guia Michelin, ocupa a desafiante posição de embaixador da nueva cocina na capital. Adrià comanda o restaurante, criando, ao lado de Roncero, pratos estranhos, como o wafer de parmesão e mousse de frutos do mar com chá.
As mudanças foram lentas, e Madri relutou em abraçar as iguarias da culinária catalã. Mas Roncero notou uma mudança de atitude: os madrilenos estão se mostrando curiosos, diz ele, e vêm ao restaurante já por dentro das famosas espumas e texturas, querendo se aventurar no menú de degustación – um apanhado das melhores invenções de sua equipe.
Uma das especialidades de Roncero é reinventar os pratos tradicionais. Um exemplo são suas croquetas de jamón – bolinhas extremamente saborosas de presunto moído, coberto por uma fina camada de farinha de rosca, que explodem na boca. Os madrilenos adoram! Não são exatamente croquetes, e sim sua essência – assim como Miró não pintava um pássaro, mas sua essência. O cocido, porém, permanece intocado: ele explica, com uma reverência, que não está preparado para mexer neste prato. ‘Ainda é muito difícil’, afirma. ‘Mas quem sabe no futuro.’
‘Temos que sempre respeitar nossa cozinha tradicional’, insiste Roncero. ‘Deixá-la para trás seria como deixar uma parte de quem somos. Mas isso não significa que não podemos nos divertir com coisas novas.’ Atraindo tanto executivos quanto um pessoal mais descolado, é uma boa pedida para quem procura um menú del día de qualidade. Massa ao pesto, a grande porção de chorizo, morcilla e outras carnes, além de diversas saladas, são apenas algumas entre as opções disponíveis.