Time Out São Paulo

Enrevista: Christopher Nolan

Diretor inglês fala sobre a relação de sua família com o cinema e de como era assustador pensar em realizar seu novo filme, a ficção-científica 'Interstelar'.

No mundo dos filmes, Christopher Nolan é a ponte entre fãs e os tipos sérios. Ele é o diretor inglês de 44 anos que mudou as adaptações de quadrinhos para o cinema com a sua trilogia O Caveleiro das Trevas - mas que fez isso deixando para trás a inteligência audaciosa e visionária de filmes como Amnésia e Insônia. Já com o filme de 2010 A Origem, Nolan mostrou que filmes caros de ficção-científica podem ser ao mesmo tempo inteligentes e populares. E agora, com Interestelar, ele traz o máximo de profundidade para o espaco sideral com um conto épico que mostra Matthew McConaughey e Anne Hathaway como dois astronautas com a missão de achar um novo planeta para ser a casa da raça humana, que vem diminuindo.

Nos encontramos com Nolan em Los Angeles, onde o londrino mora com sua mulher e parceira de produção Emma Thomas e seus quatro filhos.

Você agora é especialista em lançar filmes nos cinemas já com um monte de rumores e comentários. Já se acostumou com isso?
Nunca fica mais fácil. Você sempre pensa que pode ter criado expectativas que não são reais. A verdade é: só tem uma forma de se vender um filme grande. Gastamos uma boa quantidade de dinheiro. Você só tem de fazer o máximo de barulho que puder, pelo maior tempo possivel. É um pouco assustador, mas você faz o seu melhor e o coloca la.

Você sempre é descrito como o misterioso Christopher Nolan, e agora nós temos o misterioso Interestelar. Mas você não parece ser misterioso...
Eu sei! Eu normalmente ouço a pergunta sobre os mistérios que me cercam quando estou dando a décima oitava entrevista para um filme! O que mais eu posso fazer? Tenho de literalmente ficar nú? Mas estou tranquilo com essa reputação. Qualquer coisa que aumente o mistério e o drama que cercam o lançamento de um filme é ótimo. Acho que serve para aumentar as expectativas. Corro o risco de desapontar, mas faz com que seja mais interessante ir e assistir um filme.

Essa coisa de mistério vem de você? Você exige um nível extra de segredo nos seus filmes?
Eu não diria segredo. É mais privacidade. Em qualquer processo criativo, você precisa de privacidade. Eu preciso poder juntar os meus atores. É como os ensaios para uma peça, você não convida as pessoas para assistirem os primeiros. Essa é a graça da coisa. Quando é possível envolver outras pessoas, eu envolvo, mas muito deve se manter privado. É como um mágico preparando um show, você não quer que todos saibam tudo antes, pois eles verão como são os truques.

Os seus filmes podem ser grandes, mas eles também são assuntos de família. Você os produz com sua mulher, Emma, escreve com o seu irmão Jonathan. Vocês têm de construir um muro entre família e trabalho?
Nós tentamos! É um muro muito fino! Está mais para uma cortina... Não tem muro nenhum! É complicado, é difícil não levar o trabalho para casa, e Emma é mais firme nisso do que eu. Às vezes eu tenho de mostrar que fazemos o que amamos, então se isso entra um pouco em nossa vida familiar, não é a pior coisa do mundo. Eu tive de levar meus filhos para o trabalho essa manhã, pois não tínhamos uma babá. Estávamos no carro e eles ficavam reclamando, coisa que eles fazem às vezes, dependendo se vai ter um buffet ou não. E eu disse: olha, se vocês tem de ir ao trabalho com os seus pais, deviam agradecer que não somos mineiros.

Seus filmes demonstram confiar que a audiência não é tão burra como alguns filmes sugerem que ela seja. Você sente uma responsabilidade de manter essa confiança?
Eu sinto uma enorme responsabilidade, porque nós ganhamos oportunidades que outros diretores matariam para ter. Então eu tenho de usar isso. Acho que enquanto tiver sinceridade no trabalho e um desejo de desafiar, as pessoas vão respeitar. Minha atitude com o público é bem simples, eu sou o público. E se em qualquer momento existir algo no estúdio que se resuma a s ou eles, eu acho ridículo.

Você assitiu Gravidade no ano passado, quando já estava produzindo o seu próprio filme sobre o espaço?
Eu admiti para o Alfonso [Cuarón, o diretor de Gravidade], quando jantei com ele durante a temporada de premiações no ano passado, que eu devia ser a única pessoa do planeta que não havia visto o filme dele. Eu disse: eu não posso assistir outro filme espetacular de ficção-científica enquanto tento fazer o meu. Eu quero muito assistir em alguns meses. Para mim, ainda estou fazendo o meu filme, e o lançar nos cinemas é o último passo.

Com Interestelar, você sabia que tipo de ficção-científica você definitivamente não queria fazer?
Não, de verdade eu não sabia. às vezes eu penso que há algumas coisas que devem ser evitadas. Mas não era muito sobre o que não fazer, era mais deixar claro as credenciais do filme que estávamos fazendo. Pense assim: há uma cena no começo de Interestelar que a nave espacial está acoplando em outra nave, e esse tipo de cena é muito explorada. Há dois tipos de filmes de ficção-científica, do tipo que essas partes mecânicas são difíceis e perigosas e você fica louco com elas. E do tipo que a nave faz tudo rápido e vai para o universo. Os dois tipos são bem válidos, mas eu precisava mostrar em qual jornada a gente estava embarcando.

Você faz filmes que assistiria?
Sim, com certeza, mas eu tenho muitos tipos de gosto quando se trata de cinema. Para mim, você tem de amar o que está passando para o público, isso é essencial.

Você assiste tantos filmes como antes?
Ah, sim! Eu passo por um período de seca enquanto estou trabalhando. Não consigo assitir nenhum filme novo. Tudo que eu posso ver é o processo, e tudo desmorona. Eu posso assistir filmes antigos, mas ainda assim tudo vira um pouco técnico. É muito difícil aproveitar um filme quando você está fazendo um. Então eu não vejo a hora de recuperar o tempo perdido.

Você vai muito ao cinema?
Muito, o máximo possível. Mas eu tenho uma bela sala de cinema em casa, então eu assito muitos filmes clássicos com os meus filhos. Assistimos Lawrence da Árabia no final de semana passado, foi um bom domingo.

Os seus filhos compartilham o seu amor por filmes ou só cedem à obsessão do pai?
Meus filhos são ótimos assistindo filmes. Eles já viram muitos clássicos e eu já os apresentei a muitos filmes excelentes. Meu único medo é que eu posso estar sem querer criando uma geração de críticos de cinema.

Isso não seria tão ruim…
Para um diretor? Isso seria bem difícil! Eu não quero parecer contra os críticos, mas seria uma relação bastante interessante entre um pai diretor e um filho crítico!

Depois do sucesso de O Cavaleiro das Trevas, parece não ter fim as adaptações de quadrinhos para o cinema. Você sente que acordou um montro?
Ha! Sim, eu amei trabalhar nessa área e espero que eu tenha acrescentado algo a ela. Eu sei que em algum nível eu incentivei esse tipo de filme. Ninguém quer que Hollywood passe do limite com essas coisas, mas agora o Zack Snyder está fazendo a parte dele, juntando o Batman e o Super Homem em um filme, então isso limita o número! Mas sim, a DC Comics acabou de anunciar um enorme número de filmes. Bom, enquanto for o que o público quer, os estúdios vão continuar oferecendo. Eu não acho que é um estilo limitado. Se fosse, eu não teria trabalhado dez anos com isso. Eu acho que como qualquer tipo de filme, há inúmeras oportunidades; Se trata apenas do apetite da audiência. O que é importante é que os estúdios se mantenham abertos a produzir outros tipos de filmes também.

Então você não está para dirigir um filme da Marvel ou outro da DC Comics?
Eu acho que eu tive uma ótima experiência com os super heróis e pude explorar diversas coisas. Foi uma boa década da minha vida e eu acho difícil voltar para ela. Mas nunca diga nunca!

Qual foi o seu papel em conseguir aquela atuação icônica de Heath Ledger como o Coringa em O Cavaleiro das Trevas?
Eu acho que foi grande. Eu me sinto muito, muito orgulhoso de ter feito parte daquela atuação, e de verdade, foi uma colaboração. Mas não gosto de me dar crédito para isso, pois Heath começou sozinho naquilo. Conversamos sobre pontos de referência e eu o deixei livre para encontrar o tom. Mas ele realmente criou as coisas boas. Eu me sinto muito honrado por fazer parte disso.

Você acha que elevou a qualidade que as adaptações de quadrinhos ou de filmes de super heróis?
Eu amaria acreditar que sim. Mas não cabe a mim dizer. Foi a ambição dos filmes, definitivamente. Quando você trabalha com qualquer estilo, você procura eleva-lo. Você quer aumentar a qualidade sim.

Há algum tipo ou algum tom de filme que te assusta muito, que te impede de tentar?
É engraçado, mas eu acho que você vai para o assunto quando você está pronto, não necessariamente completamente pronto, mas a ponto de se desafiar. Então há alguns tipos de filmes que eu olho e penso: seria assustador fazer. Mas talvez isso só signifique que eu ainda não estou pronto para ele. Interestelar não é um filme que eu poderia ter feito há dez anos. Não mesmo. Mas há dez anos eu não queria fazê-lo. Você muda e cresce enquanto faz filmes e envelhece.

O que te assustava sobre fazer Interestelar?
Eu sou um grande fã de ótimos filmes de ficção-científica, como 2001: Uma Odisséia no Espaço, então, ir para esses lados era algo muito excitante, mas também muito assustador, pois já foi feito tão bem no passado. A emoção de Interselar é algo muito importante para mim, mas que me dá medo. Eu escrevi uma fala para Anne Hathaway sobre a natureza do amor, olhei para ela e pensei: eu devia cortar isso, tenho pânico disso e não sei como fazer. Mas ela fez e foi muito importante para o filme. É isso que ótimos atores podem fazer para você. O filme é sobre emoções, e quando você já trabalhou com gêneros que eu já trabalhei no passado, você tem formas de contornar emoções verdadeiras se elas te deixam desconfortáveis. Há uma cena com Matthew McConaughey que me parte o coração, e ele acertou em cheio já na primeira tomada. Foi algo que eu nunca havia colocado em nenhum dos meus filmes.

Qual você acha que há relação entre Interstelar e 2001: Uma Odisséia no Espaço? É claro que há uma grande influência.
Eu acho o seguinte: a sombra de 2001: Uma Odisséia no Espaço está em qualquer filme desse gênero. Te persegue, mas também te inspira. Esse filme é totalmente a minha tentativa de recriar o sentimento de ir assistir o filme de Kubrick com o meu pai, quando eu tinha sete anos. Essa sensação de estar em outro mundo. Essa escala. Você não pode fazer esse filme fingindo que 2001: Uma Odisséia no Espaço não existe. Você tem de aceitar isso, não tem como ignorar, você só entra na onda. É um marco do gênero e você tem de fazer o seu filme sabendo disso.

Escrito por Dave Calhoun
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