Time Out São Paulo

Sem sashimi

A cozinha japonesa vai muito além do sushi.

É natural que São Paulo, cidade com a maior comunidade japonesa fora do Japão, seja o berço da febre do sushi que ganhou o Brasil nas últimas décadas.

Mas quem acha que sushi é sinônimo de comida japonesa está perdendo alguns dos melhores restaurantes da cidade – principalmente na Liberdade, onde você pode comer variadas delícias nipônicas durante dias a fio, em lugares que não têm nem mesmo as palavras sushi e sashimi no menu.

O início perfeito para conhecer as opções é o Kintarô. À primeira vista, parece ser um pequeno botequim, que serve as mesmas porções de sempre, como coxinhas, esfihas e pastéis, como qualquer outro bar brasileiro. Mas, ao lado desses nomes mais tradicionais, você também encontra preciosidades de um izakaya – o equivalente japonês ao pub. Prepare-se para berinjela com missô e cebolinha temperada com gengibre, sardinhas marinadas e costelinhas de porco com missô. Os clientes do bar formam um grupo eclético, que inclui jovens ou nisseis e sanseis (filhos e netos de imigrantes japoneses) de meia-idade, que deixam suas garrafas de uísque, saquê ou soschu ao lado do balcão.

Fora do ringue
Uma das razões para o Kintarô ter um ambiente tão agradável são os proprietários, os irmãos Vagner e Kato Higuchi – dois lutadores de sumô que conversam animadamente com os clientes e ficam contentes em explicar os pratos cuidadosamente preparados pela mãe, Dona Líria, e em conversar sobre sumô, é claro.

Os irmãos Higuchi não são os únicos campeões de sumô cujas habilidades vão além de empurrar o adversário para fora do ringue. Fernando Kuroda é outro lutador premiado por trás de um dos segredos culinários mais bem guardados da Liberdade: o Bueno. O restaurante, sem placa na fachada e com uma porta preta de correr na entrada, que fica sempre fechada, passa despercebido se você está distraído. Mas dentro, o lugar enche todas as noites.

A marca registrada do restaurante é um dos pratos favoritos dos lutadores de sumô: o chanko nabe, um cozido de carne e legumes. Nós escolhemos a versão com carne de porco, missô, acelga, cebola, shimeji e shiitake – uma comida farta para quem tem bastante apetite. Se você achar que o chanko é pesado demais, fique nas generosas entradas, como a picanha com wasabi ou a língua de boi, ambas grelhadas, ou ainda as opções vegetarianas, como aspargo ou acelga apimentada.

Outro destaque gastronômico é o lombo de porco ligeiramente adocicado, que simplesmente derrete na boca. Quando questionado sobre a receita do prato, Fernando escorrega – "Você está fazendo muitas perguntas!" –, mas, apesar da falsa agressividade, o dono do Bueno gosta de beber com os clientes quando a cozinha fecha.

Sem bagunça
Se no Bueno o lance é fazer amigos, seu vizinho, o Aska, coloca os negócios em primeiro lugar – e isso é demonstrado logo na primeira página do cardápio, que diz: "Por favor, saia do recinto assim que possível". Mas vale a pena aguentar a atitude ríspida dos garçons e as longas filas para se sentar ao balcão ou a uma das seis mesas e experimentar a variedade de lamens, todos muito satisfatórios e a preços acessíveis.

Reclamando por ter mais clientes do que pode receber, um dos funcionários do Aska até nos pediu para não mencionar o restaurante. Então, quando for lá para degustar alguns guiozas – bolinhos recheados e saborosos – como entrada e um lamen cozido com carne, cebolinha, shimeji e shiitake em um rico caldo de galinha ou de porco, lembre-se: você não soube do restaurante por nós.

No entanto, rodeados por um oceano de peixe cru, a maioria dos restaurantes da Liberdade que não servem sushi é muito diplomática. É o caso de Rogério Ueda, da Sukiyaki House. Ao longo de 21 anos, seu restaurante já foi vizinho de incontáveis casas de sushi, mas nunca serviu esse prato. "É um velho acordo", diz Ueda. "Cada um de nós tem uma especialidade. Se um cliente chega pedindo sashimi ou sushi, recomendo os restaurantes ao lado."

Na casa de Ueda, o homônimo sukiyaki pode ser preparado nas próprias mesas, que têm fogõezinhos privativos. Você escolhe e mistura os ingredientes, como acelga, cebolinha, moyashi (broto de feijão) e fatias ultrafinas de carne, em um caldo fervente, e depois molha tudo isso em molhos feitos com shoyo ou saquê e açúcar.

A relação entre os restaurantes é excelente, diz Ueda. "Nós nos damos muito bem. Às vezes comemos lá, e eles também comem aqui. Não posso reclamar, pois, quando se trata de comida japonesa, gosto de tudo."

Aska: Rua Galvão Bueno, 466, Liberdade (3277 9682). Metrô Linha 1 Liberdade. Ter-dom, 11h-14h e 18h-21h30.

Bueno: Rua Galvão Bueno, 458, Liberdade (3203 2215). Ter-dom, 18h-23h.

Bar Kintarô: Rua Tomás Gonzaga, 57, Liberdade (3277 9124). Seg-sáb, 7h-23h.

Sukiyaki House: Rua da Glória, 111, Liberdade (3106 4067). Metrô Liberdade. Seg, ter e qui, 11h30-14h30 e 18h-22h; sex, 11h30-14h30 e 18h-22h30; sáb, 11h30-16h e 18h-22h30; dom, 11h30-22h.

Escrito por Bruno Garcez
Compartilhe

Comentários dos leitores

blog comments powered by Disqus

Outras notícias recomendadas

A Forma da Água: crítica do filme

Os filmes da semana – 16/11/2017

11 anos do JazzNosFundos