Time Out São Paulo

Caminhadas com arte: Cambuci

Berço de OsGemeos, o bairro localizado no sudeste da capital tem trabalhos históricos e (quase) desconhecidos.


A artista plástica Thaís Beltrame nos leva pelas ruas do pacato bairro do Cambuci e da Vila Madalena, e expõe a contraditoriedade da arte de rua. De um lado, a imutabilidade do grafite histórico do Cambuci. De outro, a competição que não respeita espaços na midiática Vila Madalena.

São quase 16h. Os grafites que nos seriam apresentados por ela, no bairro da Liberdade, onde deveríamos começar nosso roteiro, já não existem mais ou foram cobertos pela temida tinta cinza da administração de Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo. Resolvemos, então, estender nossa caminhada pelo Cambuci. É sabido que aquele é um território intocável, berço dos irmãos gêmeos Otávio e Gustavo Pandolfo – o que fica evidente com a distribuição de seus trabalhos e os de sua trupe pelas paredes do bairro.

“O grafite é uma prática artística extremamente territorialista. Se um espaço foi ocupado primeiro por um artista, a área passa a lhe pertencer. Mesmo se for coberto de cinza”, explica Beltrame. OsGemeos atuam no bairro desde a adolescência e, espaços nobres, como um grande muro na Rua dos Lavapés, próximo à Igreja da Glória, são telas dos irmãos. Tanto novos como antigos grafites estão praticamente intactos. Uma das cenas pintadas pelos dois retrata uma das tristes realidades do Cambuci.
 

Márcio Cruz/Divulgação

Grafite d'OsGemeos na Rua Barão de Jaraguá



Entre as letras estilizadas, surgem os rostos de duas crianças com olhares plácidos. As imagens refletem-se em uma grande poça d’água, que invade um vale. Adentrarmos as ruas pacatas do bairro de classe média, mas como foi anunciado no desenho da Rua dos Lavapés, com a chuva iminente corríamos o risco de acabarmos ilhados pela água que costuma esguichar dos bueiros todos os verões. “Inunda muito por aqui?”, pergunto a uma moradora. “Inunda, não”, retruca.

Do Largo do Cambuci, somos observados pela cabeça de boneco gigante pintada na casa de máquinas de um elevador; o corpo são os andares de um edifício residencial (R. Clímaco Barbosa, 110). Não há dúvida. Estamos mesmo no território d’OsGemeos. Mas também de Nunca, Vitché, Nina e Ise, nomes já históricos do grafite dos anos 2000. Vemos um outro grapicho (técnica mista de letras e grafite) dos irmãos na esquina da Rua Clímaco Barbosa com a Barão de Jaraguá.
 

Márcio Cruz/Divulgação
Trabalho de Vitché na Rua dos Alpes 

A partir dali, caminhando em direção à Avenida do Estado, quase todas as transversais e paralelas da Barão de Jaraguá trazem grafites figurativos, tipográficos ou mistos. Vire à direita na Rua Cesário Ramalho e você verá mais trabalhos de Vitché, Ise, Nunca e OsGemeos. Caminhe até a Rua Estéfano e vire à esquerda. No encontro com a Rua Silveira da Motta, há um dos maiores murais do bairro e uma surpresa: os traços que misturam fantasia e humor de Onesto. Começa a trovejar. “Sabe onde tem mais grafites aqui perto?”, pergunto a uma senhora em sua varanda. “Não sei dessas coisas, não”. Eu explico que grafites são como aqueles desenhos que estão pintados na parede do estabelecimento vizinho. “Não conheço.” A conversa está encerrada. A caminhada não. Mais alguns metros e estamos novamente na Barão de Jaraguá. Em outra parede, mais trabalhos de Nunca e OsGemeos. E na Rua dos Alpes, 411, à direita, um dos trabalhos mais bonitos do bairro: um mural de Vitché.

Caem pingos de chuva e penso que deve haver um motivo para os moradores – ao menos em nossa pequena amostra – ignorarem duas das principais características do bairro: as enchentes e os grafites. Voltamos para o largo, não antes de darmos de cara com uma obra do francês Space Invader (R. Clímaco Barbosa, 19). Afinal, chove. No Cambuci, intimidada pela presença de estranhos, a população se cala diante das enchentes, mas a memória das tragédias está estampada em suas paredes. 

Mapa da arte urbana do Cambuci


Veja o guia Caminhadas Com Arte: Cambuci da Time Out em um mapa maior

Publicado em março de 2013 

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Escrito por Márcio Cruz
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