Time Out São Paulo

Fossa Nova

Nova onda de cantores e compositores de São Paulo é aclamada pela atualização da bossa nova.

Uma onda de som melancólico e melódico surgiu nos palcos paulistanos e foi recebido entusiasticamente pelas plateias, fãs e críticos. Os nomes dos artistas responsáveis por esse feito – Bárbara Eugênia, Nina Becker, Tiê e Thiago Pethit – foram colocados sob os holofotes e celebrados pela delicadeza das suas melodias e letras. Em comum, o som que eles fazem tem violões acústicos, vozes meio faladas e a saudade como tema recorrente. Além disso, não gostam do apelido que receberam: ‘fossa nova’, ou seja, a bossa nova deprê.  Aliás, eles não querem nenhum tipo de rótulo.

A bossa nova é um dos gêneros musicais brasileiros mais consagrados e famosos dentro e fora do Brasil, que propagou pelos sete mares nomes como João Gilberto, Nara Leão, Tom Jobim e Carlos Lyra. Já, a fossa nova é de São Paulo, não do Rio, é urbana, e os seus criadores são influenciados tanto pelas crises existenciais do rock moderno como pela batida de violão criada nos fins dos anos 1950.

‘Eu não concordo com o termo fossa nova,’ diz Bárbara Eugênia, de 30 anos. ‘A banda que mais gosto é Radiohead.’ A sua música tem ecos do estilo de João Gilberto, mas tem muito mais. Seu disco 'Jornal de BAD', lançado em 2010, mistura elementos de rock, blues e jazz com sua voz quieta e emocional. ‘Eu faço uma música sem saber como ela vai ficar no final das contas,’ diz. ‘Tem algumas que são blues, mas muitos elementos psicodélicos também', completa.

A cantora nasceu no Rio, mas sua carreira começou a estourar quando mudou para São Paulo em 2005. ‘No Rio não estava funcionando, era meio chato,’ conta. ‘Vim para São Paulo para trabalhar. Deu super certo.’ Com toques de blues, sua faixa ‘A Chave’ tem ainda o lado rock, mas ‘Por Aí’ é uma música mais delicada, com claras referências da bossa nova, mesmo moderna. ‘Todas as minhas músicas falam de amor – amor bom, amor ruim'. A vida, para Barbara, não é comédia nem tragédia. ‘É uma mistura. Tem as comédias e as tragédias, e tragicomédias também.’  

Pop universal contemporâneo
O disco 'Berlim, Texas' do paulistano Thiago Pethit foi uma das sensações de 2010. 'Eu prefiro chamar de pop universal contemporâneo,’ diz. ‘Não dá para falar que eu faço folk, ou MPB, por que MPB tem uma raiz muito especifica. No fundo, hoje em dia todo mundo faz pop contemporâneo.’

Chamado de Serge Gainsbourg do Brasil – adorou, é super fã – Thiago prefere o piano ao violão. Se veste com uma forte influência de Charlie Chaplin e Buster Keaton, era ator, e suas músicas têm um lado bem cabaré. ‘Não Se Vá’ combina sua voz expressiva com piano e violino numa canção triste que finaliza numa marcha; ‘Fuga No. 1’ é quase teatral com seu cavaquinho tocando cordas de rock acústico e a sanfona cantando um refrão francês. É mais Paris que São Paulo. Mesmo assim, seu som tem esse lado de vida privada revelada e, de novo, a tristeza.

‘Minha música é muito pessoal, ela diz muitas coisas íntimas, e isso reflete quem eu sou:  um pouco melancólico, um pouco nostálgico,’ Thiago explica. ‘Como se eu tivesse saudades de algo que nem aconteceu.’ Ele acha o termo ‘fossa nova’ engraçado. ‘Gosto de bossa nova. Tenho muita influência de João Gilberto. Sempre canto com menos volume, mais baixinho, frases curtas. Eu tenho um alcance curto de voz.’

Os artistas da chamada 'fossa nova' têm outra coisa em comum como os jovens da Zona Sul de Rio de Janeiro que criaram a bossa nova: são todos de famílias de classe média. A mãe de Thiago Pethit é psicóloga, o pai faz ‘voiceover’; no caso de Bárbara Eugênia o pai é tradutor – ela ainda faz o mesmo trabalho, para pagar as contas – e sua mãe joga tarô.

A cantora Nina Becker, 36, nasceu e foi criada no Rio. Filha de uma professora de universidade e um maestro, era uma menina tímida. ‘Eu tinha muito medo de subir no palco. Eu tinha medo de perguntar as horas rua. Minha mãe ficou preocupada e me colocou em aulas de teatro.’ Venceu a timidez: em 2007 desfilou no Rio Fashion Week.

A faixa ‘Toc Toc’, do seu segundo disco Vermelho, tem um balanço tropical, melodias pops e violões de rock suave, embora o sol do Rio também esteja ali. Seu primeiro CD 'Azul' tem o violão do jazz e aquela voz meio triste. É um som contemporâneo com influência da famosa música carioca. ‘Bossa nova foi uma das minhas influências,’ diz. ‘Minha música faz uma descrição triste de cotidiano, ou fala sobre praia, paixão ou sol"

Um pouco de melancolia faz bem
A paulistana Tiê Gasparinette, 30, é filha de um dentista e uma professora de comunicação. Cria música ‘intimista, verdadeira, sem muita maquiagem. 'Acho que é mais original,’ explica. ‘Tento fazer o mais cru possível, tento escrever do coração.’ Consegue: com sua voz clara, violão acústico e um violoncelo que surge sutilmente, sua faixa ‘Assinado Eu’ é romântica, sem ser sentimental demais.

Ela chama seu estilo de ‘MPB folk’. É um som gentil, mas suas emoções são intensas. ‘Quinto Andar’ toca cordas de folk do estilo de Leonard Cohen – uma inspiração, diz – e uma tristeza palpável. ‘Amor, por que te chamo assim,’ canta, ‘sei com certeza você nem lembra de mim.’ Gosta de namorar mesmo. ‘Acho importante. Não acho que vai resolver a vida, mas acho que ajuda bem.’

Suas músicas têm inspiração na vida real: fala sobre seus relacionamentos e de seus amigos. ‘São todos de verdade. Não só namorados, amigos também. Mas quem me conhece bem sabe de qual pessoa estou falando.’ Fora do palco, não fica tão triste. ‘O jeito que eu canto dá uma sensação de melancolia,’ diz. ‘Sou em geral muito alegre. Sou muito light.’ A vida, para ela, é para rir, não chorar. ‘Ah – é uma comédia. Entre comédia e tragédia, com certeza.’

‘Na Varanda Da Liz’, com batida lenta de rock, violões e cascatas de refrões, é simplesmente um bom pop moderno, que poderia ser européia ou americana. Talvez a frase do Thiago Pethit, de ‘pop contemporânea universal’, sirva melhor mesmo.

Mas, o termo fossa nova fica, e por uma boa causa. O livro do jornalista Ruy Castro sobre a bossa nova, Chega de Saudade, tem um titulo perfeito. Isso porque a saudade, um conceito que só existe em português, é o que definia melhor aquela onda. Se a 'nova guarda' de músicos tem uma coisa em comum com o passado romântico carioca, seria esse sentimento de saudade. Talvez a fossa nova fosse um macete comercial demais para artistas que levam seu trabalho tão a sério como eles. ‘Nem todo dia é lindo e azul,’ conclui Bárbara Eugênia: ‘a vida é feita de muitas coisas. Um pouco de melancolia é bom'.

Escrito por Dom Phillips
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